Thursday, April 10, 2014

A vida militar do Senhor Kappus

A minha vida militar não contém matéria poética, acredite:
 já ninguém no mundo quer verdadeiramente invadir a Crimeia,
ocupada pelos Citas.
 Ficou assim visto que nós militares para nada servimos,
a não ser para esta espera junto ao Deserto dos Tártaros.
Os diplomatas querem sossego, para isso servem,
os mercados já não suportam perder os títulos russos,
como aconteceu em 1917, e os políticos, esses,
são pagos para fazer barulho 
e entreter a galeria.  Pudesse eu
desembainhar  a espada num gesto viril
e gritar para os cossacos qualquer coisa, qualquer coisa.
Mas a servidão e a grandeza militares
não serão nunca mais o ofício da poesia!

Qualquer profissão, Senhor Kappus, vale o mesmo
em face da Poesia. Eu sou empregado de escritório,
traduzo cartas para inglês
e encontro na mediocridade da minha vida funcionária
maior servidão e grandeza do que no seu uniforme poído
pelas ocasiões falhadas e pelos massacres que nunca puderam ser.
Esconda esse seu sonho torto de vestir os uniformes oitocentistas
da Guerra da Crimeia!
Todos os ofícios se equivalem
no esplendor de um mesmo vazio
e este nosso ofício da poesia, quando deixamos de acreditar
que somos bruxos, profetas, magos
ou glamourous lyric stars,
vemo-lo reduzir-se à grandeza do seu próprio jogo
e à dignidade da sua íntima derrota.
Arrume a farda, Senhor Kappus,
e volte a encontrar-se comigo
à civil. Por favor.








  

No comments:

Post a Comment