Friday, January 18, 2019

Amanhecer


Que um dia suceda a outro
e dissipe toda a névoa que nos faz duvidar
da consistência da terra.

Um dia que se levante à nossa frente
e solte o fio de prumo da esperança uma vez mais

até ao pôr do sol.





Thursday, January 17, 2019

A Net é o Real Absoluto

A NET É O REAL ABSOLUTO

A Poesia é o Real Absoluto
(Novalis)


Caro Mallarmé, a página branca é hoje este ecrã vazio
que fere de luz os olhos cansados dos poetas.
Continuam os poetas a medir-se com a página em branco,
mas a luz azul dos tablets e computadores
desgasta-lhes os olhos e não podem assim
olhar para o real com os olhos limpos e claros
de Alberto Caeiro. Resta-nos o espaço virtual,
a rede que vai tecendo o Grande Livro
onde o real será apenas o virtual e o virtual o real absoluto.

Velho que ninguém atura


VELHO QUE NINGUÉM ATURA

Velhos que ninguém atura
a não ser a literatura
e outros velhos

(Alexandre O'Neill)


Um velho
encosta-se à sua velhice como a um muro
com a cal bem desbotada.
Deixa separarem-se as memórias
em blocos estanques sem diacronia
enquanto o sol corre atrás da linha do horizonte
para se precipitar a ocidente.
Um velho
é coisa de se ouvir e de pensar.

Guardaste o que te liga à terra
ou deixaste que o muro te cobrisse
como mortalha de cal?
Um velho não esquece, apenas interpõe
faixas de esquecimento
entre momentos de memória intemporal.
Um velho luta assim contra o tempo
antes que o sol desabe a ocidente
e deixe de significar.

Wednesday, January 16, 2019

Porque não deixei de falar do coração

PORQUE NÃO DEIXEI DE FALAR DO CORAÇÃO

Algumas coisas que nos pareciam envelhecidas
de súbito brilham a uma nova luz:
o casaco puído ganha a elegância dos dias leves de outono
e um verso encontrado num tomo poeirento
ao arrumar os livros
ganha a sonoridade dos sopros da orquestra
no início ou final da sinfonia.

Assim é a ligeira espuma dos dias:
ela pode renascer a qualquer hora.
Uma recordação perfeitamente inócua pode ocorrer-nos
sem que lhe entendamos a razão ou o sentido
e o próprio amor em suas intermitências
vem de muito longe assaltar-nos o coração.

Thursday, January 10, 2019

2019

2019
"The best lack all conviction,
while the worst
are full of passionate intensity"
(W B Yeats)
O ano não se afigura
coisa linda de se ver:
mas calemos a agrura,
deixemos acontecer.
Será que com nossas mãos
o novo se vai tecer?
Ou de sombras e desvãos
mais opressão vai nascer?
Os bolsonaros da vida,
os trumps de estarrecer,
a miséria promovida
dizendo "não vai doer",
a estupidez vivida
com garbo e com prazer,
a ameaça que vemos
cada dia mais crescer
"vemos, ouvimos e lemos"
saberemos renascer?

Wednesday, January 9, 2019

Fado do aposentado



A história que eu vou contar
teve origem na vizinha
que logo a foi contar
ao Correio da Manhã
da janela da cozinha

Eram sete da manhã
numa alameda bem fria
e aos olhos da turba vã
estranha figura surgia
entre brumas feitas lã.

Era um aposentado!
E a turba que o seguia
disse num tom agastado
ao pobre desventurado
que o seu sonho perseguia:

Reformado nota bem
que fazes nesta manhã
que loucura te sustem,
nesta frieza malsã,
que não entende ninguém?

Buscas a flor do mal?
Os restos da madrugada?
Uma luz original
que te guie na passada?
Que queres tu afinal?

E para espanto geral
respondeu o reformado:
venho comprar o jornal
não assino o digital
e quero estar informado

Fez-se um clamor nacional
e já todos admiravam
que houvesse em Portugal
um tal leitor de jornal
que os frios não espantavam

O Público apontou
a seta tão para cima
que o papel ultrapassou,
aguçada como lima
E o Público errou!

O Correio da Manhã
informado pela vizinha
enviara essa manhã
ao local a jovenzinha
jornalista da manhã

Mesmo o Jornal de Noticias
que se publica no Porto,
não quis perder as primícias
nem se quis fazer de morto
no louvor ao reformado.

O i, sempre exagerado,
não quis ficar por aqui:
ai do pobre reformado
que ao duro frio eu vi
só para comprar o i.

A história que vos contei
merece franco aplauso,
pois dos jornais eu bem sei
como vivem em descaso
e seu fado aqui cantei.









Wednesday, December 19, 2018

Cantar de aposentado


Nesta súbita reforma
a que o tempo me condena
entendo agora que forma
toma o tempo como cena

de um movimento parado
em que o meu tempo se encena
como ato retardado
sem alegria nem pena

em teatro abandonado
do alicerce à empena.



Thursday, December 13, 2018

Acordando


Retomo o curso dos meus dias,
devagar afasto de mim as brumas do sonho
e faço frente a escura madrugada.
De que matérias são feitos, não os sonhos,
mas os desvãos e sobressaltos da vigília?
Recolho-me na insónia, falho o despertar,
tudo da noite o nevoeiro me cerca.

Um grito rompe o amanhecer como um relâmpago
ou uma farpa.

Wednesday, November 28, 2018

Um poema


Se um poema,
um só,
pudesse suspender a respiração,
cortar a voz pela raiz,
quebrar em sílabas as frases,

se um só poema
pudesse espalhar o verso
pelas árvores
e conter os ventos!

Monday, November 19, 2018

A estrada da Beira



GUARDA

A desolação da pedra é a sua força
e resistir ao inverno é o dom das alturas. 

Que as montanhas me devolvam a minha parte de escuro.
Que a voz que aqui ressoa venha dançar na pedra.

BELMONTE

Por debaixo das brasas, por detrás dos muros,
um cântico escondido, Adonai, Adonai…

SORTELHA

No vazio destas ruas só a pedra passeia,
assobia no vento, brinca nas palavras.




Tuesday, October 23, 2018



Já ministro não sou : à poesia
fui devolvido, àquela noite escura
de onde o verso nos vem, rompendo o céu,
avesso à ventura ou desventura.

A poesia não goza boa imagem:
entremos sem pavor na noite escura,
retomemos sem cessar esta viagem,
transformando o acaso na ventura.

Aos zoilos que aos teus versos adormecem,
aos que nem sequer pegam nos teus livros,
ao meio que jamais quer ficar no meio

deixa-os adormecer e se confessem
aos leitores em papel - que buscam livros
e vão a livrarias sem recheio... 











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Sunday, July 31, 2016

Em Ítaca


Ce qui vient au monde pour ne rien troubler ne mérite ni égards ni patience
(René Char)


O regresso a Ítaca foi muito diferente do que esperava o outro Ulisses.
Ele preparara-se, é certo, para as astúcias dos pretendentes,
mas em muito mudara o Reino de Ítaca
e por isso a primeira coisa que fez foi aprender.

O cão Argos era fiel e discreto,
mas riam-se daquele homem 
que à ilha arribara em tão avançada idade.
Uma mulher, que lavava anáguas no mar,
perguntou chocarreira "Quem és tu? Que rosto
nos mostras, que propósito nos trazes? São as tuas palavras mornas
ou ardentes? São de fogo ou de cinza?"

Assim enfrentou Ulisses a astúcia dos pretendentes.

Friday, March 25, 2016

À POESIA


Sempre voltamos. E nunca conhecemos
os cantos à casa. Caminhamos descalços
sobre tijoleira fria e abrimos a janela,
porque já estivemos nalgum lugar parecido,
mas nunca aqui. Flores secas, o piano
há muitos anos fechado. Falávamos de música?
Heard melodies are sweet
but those unheard are sweeter.
Alguém falou, por detrás desta infindável galeria de retratos
que conduz à torre assombrada.
Nós estamos habituados a ouvir os mortos.
Entramos e saímos e voltamos a entrar nesta casa,
mas nunca os corredores encontramos no mesmo sítio!
Faltam-nos, é claro as castíssimas esposas, 
que aninham as mansões de vidro transparente.
Mas este é o nosso tempo e com ele nos medimos,
às vezes irónicos, às vezes vagos ou distantes,
mas nunca fugimos dele. Nós não desertamos.
Não fugir. Suster o peso da hora.
E ouvir vozes e perder vozes e calar um verso,
porque uma palavra sobra e desequilibra.
A atenção às coisas e o voluntário esquecimento
do pormenor insidioso e biográfico,
que desponta como erva daninha
até infectar toda a cobertura da casa
com a humidade que envelhece telhas e madeiras
e acaba por corroer palavras, versos, memórias,
para nas caleiras ficarem por fim amalgamadas
as flores mais puras do engenho e da invenção.

(com versos de Keats, Cesário Verde e Cristovam Pavia)






Wednesday, March 23, 2016

Resposta a um inquérito do "Observador": 21 poemas apresentados por 21 poetas


Luís Filipe Castro Mendes

“Magnificat” de Álvaro de Campos

Cada poema é um encontro, no processo em que é escrito tanto como no processo em que é lido. Encontrei há muito tempo este poema e sei que de repente ele me veio cortar a respiração e ferir-me com a terrível consciência de que nunca poderemos sair do nosso próprio ser, nem pela vida nem pela morte. Cárcere do ser, li mais tarde no mesmo Álvaro de Campos. Mas o soco que o poema dá em nós (“e a dor dói como um soco”, Alexandre O’Neill) só o sentimos bem nesses momentos em que da ideia se passa ao espanto quase físico do encontro com uma verdade de nós que nós não sabíamos. O poeta é afinal aquele que sabe dar-nos de surpresa um soco no mais fundo do que somos. Para com isso aprendermos a ver melhor o esplendor do mundo.
Quando é que passará esta noite interna, o universo, 
E eu, a minha alma, terei o meu dia? 
Quando é que despertarei de estar acordado? 
Não sei. O sol brilha alto, 
Impossível de fitar. 
As estrelas pestanejam frio, 
Impossíveis de contar. 
O coração pulsa alheio, 
Impossível de escutar. 
Quando é que passará este drama sem teatro, 
Ou este teatro sem drama, 
E recolherei a casa? 
Onde? Como? Quando? 
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo? 
É esse! É esse! 
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei; 
E então será dia. 
Sorri, dormindo, minha alma! 
Sorri, minha alma, será dia!

Saturday, March 19, 2016

Dia do Pai: um poema meu

MEMENTO MORI


Death is not in life

(Wittgenstein)

Eu vi morrer três pessoas:
a uma acompanhei até ao fim,
no que seria talvez o que lhe restava de vida
ou porventura o que lhe sobrava de morte;
outra morreu quando eu dormia,
longe do hospital:
e tive que atravessar pela madrugada
uma cidade estrangeira
para chegar à sua morte;
e meu Pai, enquanto eu ia
comprar-lhe uma garrafa de oxigénio,
que nunca soube a quem serviu depois.

Nós nunca vemos ninguém morrer,
porque morrer é por dentro de cada um,
como talvez tudo o que tenha algum sentido,
como talvez o amor.

O que verdadeiramente importa
é opaco ao nosso olhar
e cada prova que vivemos
é só e única:
morrer ou ver morrer

e o amor também.

(de Lendas da Índia, 2011)

Dia Mundial da Poesia

The functions of the poetical faculty are twofold: by one it creates new materials of knowledge, and power, and pleasure; by the other it engenders in the mind a desire to reproduce and arrange them according to a certain rhythm and order which may be called the beautiful and the good. The cultivation of poetry is never more to be desired than at periods when, from an excess of the selfish and calculating principle, the accumulation of the materials of external life exceed the quantity of the power of assimilating them to the internal laws of human nature. The body has then become too unwidely for that which animates it.

(Shelley, "Defence of Poetry", 1821)

Friday, March 18, 2016

No Dia Mundial da Poesia

No Dia Mundial da Poesia
"Le déni de la poésie n'est pas une affaire littéraire, ou il ne l'est que secondairement. Il est politique. Réduire la poésie à un charmant artefact ou à une pratique très particulière, intransitive et séparée, du langage, censée sauver l'honneur d'une communauté qui l'ignore, lui déniant ainsi toute dimension sociale transgressive et agissante, c'est qu'on le veuille ou non un choix politique"
Jean-Pierre Siméon, director do festival "Printemps des Poètes"

Saturday, February 20, 2016

Soneto


A madrugada interrompeu-me os sonhos,
nem o silêncio do mundo me restava.
À paisagem deserta dos meus olhos
acudia a beleza que durava

num só triunfo feito em alvorada
a que os nossos sentidos se prendiam.
Mas nem um eco veio da chamada
em que o meu coração se comprazia.

Talvez venha a memória consentir
palavras sem fulgor e sem perdão.
Talvez deixemos fogo por abrir
e pedras ou poemas no desvão

do dia que se abria noutro dia
pois assim em palavras nos mentia.

Poema breve


Para quê um poema mais,
um brilho breve, uma modulação,
um trilho?
Tudo se apaga na noite comum
e nos caminhos desfeitos
entre palavras
daninhas. 

Saturday, February 13, 2016

O sonho de Schauble

O SONHO DE SCHAUBLE

O SONHO DE SCHAUBLE
Estavam os mercados em sossego
dos seus juros colhendo doce fruto
naquele encanto de alma ledo e cego
que o Centeno não deixa durar muito;
as bolsas escalando com apego,
os olhos das agências bem enxutos,
saltando e sorrindo sem cuidado:
mas eis que Portugal tem outro fado!
Dos bancos alemães te respondiam
As lembranças que os créditos duravam,
Que sempre ante teus olhos te traziam,
Quando dos seus formosos se apartavam;
De noite, em doces ratings que mentiam,
De dia, em orçamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.
De outras vãs políticas francesas
Ou de Keynes ciência vil enjeita,
Que tu, enfim, só o mercado prezas
Pois seu gesto suave te sujeita.
Vendo outras namoradas estranhezas,
O Teutão sesudo, que rejeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do pobre que a ruína não queria
Tirar Centeno ao mundo determina,
Por lhe tirar o juro que tem preso,
Crendo co sangue só da morte indina
Matar da rebeldia o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Boche, fosse alevantada
Contra ua fraca pátria delicada?
Traziam-a os horríficos algozes
À Comissão, movida a piedade;
O alemão, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua os persuade.
As espadas banhando, e os atrozes
Défices de mentira e de verdade
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.
(continua)

Sunday, February 7, 2016

Os velhos mestres: Dante


Dante descobria a ordem das esferas celestes,
mas ao mesmo tempo não poupava os seus inimigos
e passava para os tercetos toda a raiva que lhe inspiravam
os políticos de Florença,
sem cuidar de estranhar as coisas do Céu
dos negócios da Cidade
nem o sagrado da poesia do profano
das coisas públicas.

São perfeitos os tercetos: melhor assim
para poder caminhar para Deus e ao mesmo tempo
deixar em pedaços a reputação dos adversários.
O poeta que Platão temia, o inimigo dos mestres pensadores
a inscrever na abóboda divina pintada por Giotto
os insultos do real quotidiano:
esta é a mestria!


O Ulisses de Jorge Luis Borges

ODISEA, LIBRO VIGÉSIMO TERCERO

Ya la espada de hierro ha ejecutado
la debida labor de la venganza;
ya los ásperos dardos y la lanza
la sangre del perverso han prodigado.
A despecho de un dios y de sus mares
a su reino y su reina ha vuelto Ulises,
a despecho de un dios y de los grises
vientos y del estrépito de Ares.
Ya en el amor del compartido lecho
duerme la clara reina sobre el pecho
de su rey pero ¿dónde está aquel hombre
que en los días y noches del destierro
erraba por el mundo como un perro
y decía que Nadie era su nombre?
JORGE LUIS BORGES

Thursday, February 4, 2016

Homenagem a Dona Cleonice


ROMANCE DE DONA CLEONICE BERARDINELLI

De Cleonice, senhora
em seu saber assentada,
venho dizer sem demora
seu louvor: seja louvada
por quanto de si nos deu,
com o tranquilo fulgor
de tudo o que mereceu.
Esta só prova de amor
à língua e às suas artes
deu-nos a todos a flor
portuguesa em todas partes:
dos sertões e das veredas,
do verso mais fingidor,
de Camões até às sedas
da Índia e mais em redor;
do caminho e mais da pedra,
da faca gume sem dor,
da concha donde não medra
Vénus, mas seu esplendor.
E são alusões marinhas
e são caminhos imensos,
língua tua quando minha
nos percursos mais intensos:
o que se diz literatura,
o que poesia se chama
em tão profunda cultura
teu viver luz e proclama.
Nós passeámos por Praga,
por seus becos e travessas,
numa insaciável saga
de viagens e conversas,
que prolongavam a maga
fascinação com diversas
leituras e descobertas
de uma vida que no Rio
tinha as janelas abertas
para o mundo e pra seu fio
de linhas longas e certas
em que a língua se redoura,
com orgulho em sua oferta.
 Pois Cleonice, senhora,
do saber sempre vivido
numa língua que aflora
em povos, versos, sentidos
viveres que aqui se misturam
no riso sempre entendido,
aqui deixo a homenagem
do amigo comedido,
que sem fazer a viagem
deixa o seu preito sentido.







Thursday, January 28, 2016

Variações François Villon


Irmãos humanos,
de nós futuros,
endurecei
o coração:
o que deixámos
foram monturos,
coisas sem lei
e sem razão.
Irmãos humanos
não perdoeis!

Nenhuma pena
nem compaixão
merecerá
o que fizémos.
De nós acena
vil confusão
que durará
no que dissémos.
Irmãos humanos,
não perdoeis!

Nem o futuro
merecemos ter:
fiquem na sombra
os nossos actos;
um manto escuro
para esconder
baças e rombas
obras e factos.
Irmãos humanos,
não perdoeis!








Wednesday, January 27, 2016

Soneto do croquete (variações Bocage)


Embaixador eu fui: e do croquete
provei sem hesitar as mil maneiras.
Enquanto o mundo me fazia o frete,
com cinismo eu comia e sem fronteiras.

Do Tony não ouvia as melodias,
o povo português eu desprezava:
Ah, se me crestes, ó leitoras pias,
jogai meus versos para as amoras bravas.

Outro peralta fui. Eu desprezei
o que mais sabe e vale o povo meu!
E se em croquetes vãos vida gastei,
o destino me deu inferno e céu.

A reforma e meus dias derradeiros
passarei a ouvir o Quim Barreiros.

Tuesday, January 26, 2016

Thursday, January 21, 2016

Mudança possui tudo

Notre Mouvement

Nous vivons dans l'oubli de nos métamorphoses
Le jour est paresseux mais la nuit est active
Un bol d'air à midi la nuit le filtre et l'use
La nuit ne laisse pas de poussière sur nous


Mais cet écho qui roule tout le long du jour
Cet écho hors du temps d'angoisse ou de caresses
Cet enchaînement brut des mondes insipides
Et des mondes sensibles son soleil est double

Sommes-nous près ou loin de notre conscience
Où sont nos bornes nos racines notre but
Le long plaisir pourtant de nos métamorphoses
Squelettes s'animant dans les murs pourrissants

Les rendez-vous donnés aux formes insensées
À la chair ingénieuse aux aveugles voyants
Les rendez-vous donnés par la face au profil
Par la souffrance à la santé par la lumière

À la forêt par la montagne à la vallée
Par la mine à la fleur par la perle au soleil
Nous sommes corps à corps nous sommes terre à terre
Nous naissons de partout nous sommes sans limites

PAUL ÉLUARD

Ítaca


É verdade que nunca saí de Ítaca:
sou um funcionário cansado, à beira da reforma,
que andou de país em país, sem nunca ter podido fugir
dos corredores e das intrigas dos pretendentes.

Napoleão (excusez du peu...)
em todas as suas campanhas, do Egipto a Waterloo,
fazia cada dia a mesma pergunta : Que dirá Paris?

Intitular-me Ulisses foi apenas uma liberdade,
diria mesmo uma licença,
que a distraída pátria me permitiu.


Monday, January 18, 2016

Dante, "Divina Comedia", "Inferno": encontro com Ulisses

Io stava sovra 'l ponte a veder surto,
sì che s'io non avessi un ronchion preso,
caduto sarei giù sanz' esser urto.

E 'l duca che mi vide tanto atteso,
disse: «Dentro dai fuochi son li spirti;
catun si fascia di quel ch'elli è inceso».

«Maestro mio», rispuos' io, «per udirti
son io più certo; ma già m'era avviso
che così fosse, e già voleva dirti:

chi è 'n quel foco che vien sì diviso
di sopra, che par surger de la pira
dov' Eteòcle col fratel fu miso?».

Rispuose a me: «Là dentro si martira
Ulisse e Dïomede, e così insieme
a la vendetta vanno come a l'ira;

e dentro da la lor fiamma si geme
l'agguato del caval che fé la porta
onde uscì de' Romani il gentil seme.

Piangevisi entro l'arte per che, morta,
Deïdamìa ancor si duol d'Achille,
e del Palladio pena vi si porta».

«S'ei posson dentro da quelle faville
parlar», diss' io, «maestro, assai ten priego
e ripriego, che 'l priego vaglia mille,

che non mi facci de l'attender niego
fin che la fiamma cornuta qua vegna;
vedi che del disio ver' lei mi piego!».

Ed elli a me: «La tua preghiera è degna
di molta loda, e io però l'accetto;
ma fa che la tua lingua si sostegna.

Lascia parlare a me, ch'i' ho concetto
ciò che tu vuoi; ch'ei sarebbero schivi,
perch' e' fuor greci, forse del tuo detto».

Poi che la fiamma fu venuta quivi
dove parve al mio duca tempo e loco,
in questa forma lui parlare audivi:

«O voi che siete due dentro ad un foco,
s'io meritai di voi mentre ch'io vissi,
s'io meritai di voi assai o poco

quando nel mondo li alti versi scrissi,
non vi movete; ma l'un di voi dica
dove, per lui, perduto a morir gissi».

Lo maggior corno de la fiamma antica
cominciò a crollarsi mormorando,
pur come quella cui vento affatica;

indi la cima qua e là menando,
come fosse la lingua che parlasse,
gittò voce di fuori e disse: «Quando

mi diparti' da Circe, che sottrasse
me più d'un anno là presso a Gaeta,
prima che sì Enëa la nomasse,

né dolcezza di figlio, né la pieta
del vecchio padre, né 'l debito amore
lo qual dovea Penelopè far lieta,

vincer potero dentro a me l'ardore
ch'i' ebbi a divenir del mondo esperto
e de li vizi umani e del valore;

ma misi me per l'alto mare aperto
sol con un legno e con quella compagna
picciola da la qual non fui diserto.

L'un lito e l'altro vidi infin la Spagna,
fin nel Morrocco, e l'isola d'i Sardi,
e l'altre che quel mare intorno bagna.

Io e ' compagni eravam vecchi e tardi
quando venimmo a quella foce stretta
dov' Ercule segnò li suoi riguardi

acciò che l'uom più oltre non si metta;
da la man destra mi lasciai Sibilia,
da l'altra già m'avea lasciata Setta.

"O frati", dissi, "che per cento milia
perigli siete giunti a l'occidente,
a questa tanto picciola vigilia

d'i nostri sensi ch'è del rimanente
non vogliate negar l'esperïenza,
di retro al sol, del mondo sanza gente.

Considerate la vostra semenza:
fatti non foste a viver come bruti,
ma per seguir virtute e canoscenza".

Li miei compagni fec' io sì aguti,
con questa orazion picciola, al cammino,
che a pena poscia li avrei ritenuti;

e volta nostra poppa nel mattino,
de' remi facemmo ali al folle volo,
sempre acquistando dal lato mancino.

Tutte le stelle già de l'altro polo
vedea la notte, e 'l nostro tanto basso,
che non surgëa fuor del marin suolo.

Cinque volte racceso e tante casso
lo lume era di sotto da la luna,
poi che 'ntrati eravam ne l'alto passo,

quando n'apparve una montagna, bruna
per la distanza, e parvemi alta tanto
quanto veduta non avëa alcuna.

Noi ci allegrammo, e tosto tornò in pianto;
ché de la nova terra un turbo nacque
e percosse del legno il primo canto.

Tre volte il fé girar con tutte l'acque;
a la quarta levar la poppa in suso
e la prora ire in giù, com' altrui piacque,

infin che 'l mar fu sovra noi richiuso».

DANTE